segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A distância entre nós

Alex e eu sempre fomos ligados de forma inesperada. O menininho falante e bem humorado que me ofereceu um biscoito no primeiro dia do jardim de infância se tornou um rapaz charmoso e elegante e depois um homem despreocupado e cheio de possibilidades. Não posso dizer que somos opostos, mas posso afirmar que somos bem diferentes. O que temos em comum e que talvez tenha nos aproximado é o fato de gostarmos do diferente, do novo, do deslocado. Minha mãe diz que eu e Alex sempre escolhemos "as xícaras lascadas", talvez por também nos sentirmos deslocados e um pouco estranhos. Apesar de ter todas as qualidades para fazer parte do grupo dos populares, Alex sempre se manteve à distância. Ele sorria, acenava, trocava amenidades, mas nunca realmente pertenceu a um grupo. Geralmente ele variava seus acompanhantes, nunca escolhendo um tipo específico de pessoa como companhia. A única que estava sempre com ele era eu, desde o dia em que um Alex em miniatura me ofereceu um biscoito e disse que meus tênis eram bem legais. Eu me lembro de olhar aquele menino sorrindo, com os cabelos caindo nos olhos, todo joelho e cotovelos e pensar "acho que tenho um amigo", assim, de cara. Sabia que nos daríamos bem, sabia que seríamos amigos, sabia que sempre poderia contar com um biscoito, um sorriso, um abraço de Alex. Presenciamos todos os eventos importantes da vida um do outro. Foi no ombro de Alex que chorei quando meu primeiro amor se cansou de mim; foi no meu quarto que um Alex calado e com os olhos estranhamente secos dormiu na noite em que seu primeiro cachorro morreu; foi pra casa dele que corri quando soube que minha avó materna tinha morrido e foi pra mim que ele contou quando perdeu a virgindade com Amelia Hawthorne, que disse que o desempenho de Alex não tinha sido nada satisfatório. Até hoje, independente de quanta rancor eu guarde dele por causa da minha transformação, é em Alex que eu penso quando algo novo acontece. É para Alex que quero ligar quando preciso de um conselho. É por ele que choro todos os dias, quando me lembro de que ele nunca mais estará comigo.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Cânone ou não cânone

Depois de 5 anos, tenho muito para contar. Tanto que me peguei olhando para a tela do notebook sem saber o que escrever. São tantas histórias que poderia preencher facilmente 10 livros, mas decidi estabelecer primeiro o que aprendi nesses anos vivendo entre os vampiros.

Sobre o sangue: sangue é parte essencial de nossa nutrição. É dele que extraímos força, juventude e beleza. Sangue humano, de acordo com vampiros mais dados ao místico e ao oculto, possui qualidades ímpares, retendo uma centelha da alma do doador, sendo mais saboroso e mais nutritivo que sangue animal. De acordo com esses vampiros, o sangue humano é responsável pela força, agilidade, graça e beleza estonteante dos vampiros. Segundo vampiros menos dados ao sobrenatural (sim, eles existem), o sangue humano não possui qualidades especiais, mas como somos de certa forma humanos, esse tipo de sangue é melhor digerido pelos vampiros e portanto gera benefícios quando consumido. Força, agilidade e graciosidade de movimentos podem ser obtidos com o consumo de qualquer tipo de sangue. Não souberam me explicar porquê vampiros se tornam mais belos após a transformação (os místicos me responderam que "Lilith quis fazer de seus filhos os mais belos do mundo"; os céticos reviraram os olhos e me olharam de cima a baixo, certamente pensando que o item "beleza" não foi incluído no meu pacote).

Agilidade e força: vampiros são cerca de 125% mais fortes e mais ágeis que humanos. O veneno que se espalha pelo nosso corpo depois da transformação reveste nossa musculatura fazendo com que ganhemos mais massa muscular. O veneno é também responsável por um aumento absurdo de circulação sanguínea pelo nosso corpo, agitando nosso metabolismo e fazendo, de certa forma (em combinação com maior massa muscular) com que possamos nos mover com maior agilidade.

Educação: vampiros são, em geral, seres muito educados. A longevidade faz com que a maior parte dos vampiros estude muito (chega um momento da "eternidade" que você não tem muito o que fazer, daí a maioria acaba se voltando para os estudos acadêmicos) e tenha conhecimento de várias línguas, culturas e dos mais diversos assuntos. Muitos vampiros inclusive fazem parte do corpo acadêmico de diversas instituições de ensino. A longevidade faz também com que os vampiros tenham hábitos e costumes de épocas mais antigas, o que no começo é um pesadelo para os recém criados. Dica: chame a todos, inicialmente, de senhor e senhora. Quase perdi a cabeça ao chamar, sem ter tido permissão,  pelo primeiro nome um vampiro criado por volta de 1830. 

Imortalidade: vampiros não são imortais. O vampiro "vivo" mais velho tem cerca de 2000 anos, e os vampiros pesquisadores (sim, existem vampiros especializados no "saber vampírico") estimam entre 1600 e 1900 anos o período médio de vida dos vampiros. 

Morte: podemos ser mortos por fogo, decapitação, transpassando nossos corações com madeira (transpassar com outros materiais não nos mata, apenas nos deixa mais fracos). Podemos ainda morrer de "velhice". Como é a morte por velhice? Como qualquer outra morte por velhice, um dia o vampiro simplesmente "para de funcionar" devido ao declínio físico de seu corpo, que se desgasta à uma velocidade extremamente, extremamente MESMO, lenta. 

O que acontece quando um vampiro morre: ninguém sabe, nenhum voltou para contar. Os místicos acreditam que vamos para o paraíso, viver na graça de Lilith; os religiosos (sim, eles existem) acreditam que vamos para o Inferno pagar por nossos 1600, 1900 anos de pecados; os céticos acreditam que, assim como os humanos, após a morte vamos todos para o grande vazio. 

O que é o "veneno" que os vampiros recebem quando são transformados: um vírus? Uma bactéria? Um veneno mesmo? Muitas teorias, poucas certezas.

Luz do sol: de acordo com os vampiros místicos, somos criaturas da Noite, e portanto a luz solar nos deixa mais sensíveis, mais abatidos e mais fracos. Segundo os vampiros não místicos algo em nosso veneno nos deixa levemente vulneráveis ao sol, trazendo dor de cabeça, estômago fraco e dificuldade de concentração. Nossas peles tendem a reagir à luz solar, deixando nossa coloração levemente diferente, o que às vezes pode chamar a atenção de algum humano. Eu não sofro nenhum tipo de alteração em contato com a luz solar. Não, ninguém sabe o porquê disso. 

Alimentação tradicional: vampiros podem comer e beber se ingerirem diariamente sangue de qualquer tipo. O sangue ingerido "alimenta" nosso organismo fazendo com que possamos comer e beber (sim, fazemos nº 1 e nº 2, raramente mas fazemos. Em 5 anos eu usei o banheiro 2 vezes), porém a alimentação humana tende a deixar vampiros bastante enjoados, então a imensa maioria não ingere alimentos e bebidas tradicionais, com exceção do vinho que misturam ao sangue e de alimentos como castanhas e frutas secas. Eu como normalmente, todos os dias. Para onde a comida vai? Não faço a menor ideia, mas pelo visto de tantos em tantos anos ela sairá de mim como sai de você.

Dormir: vampiros não precisam dormir e raramente se sentem cansados. Muitos dormem por hábito. Eu durmo porquê dormir é uma das coisas mais gostosas do mundo. 

Sexualidade: existem vampiros heterossexuais, homossexuais, pansexuais, assexuais, bissexuais... e por aí vai. Não é educado perguntar qual é a identidade sexual de um vampiro. Se ele quiser que você saiba, você vai saber pode ter certeza.